terça-feira, 23 de novembro de 2010

O Contencioso Administrativo, sob o olhar da sub 3: Primeiras tarefas


Génese e Evolução do contencioso Administrativo Francês
Como instituição característica dos direitos da Europa Ocidental não insular, o Contencioso Administrativo teve o seu berço em França. E pode acrescentar-se que é Fruto histórico da Revolução Francesa.
Com a Revolução Francesa (1789), foi proclamado o Princípio da separação de poderes, em que a Administração ficou separada da Justiça – poder executivo para um lado, poder judicial para o outro. (Fase do Pecado Original, sendo que esse pecado original consistiria no facto de se ter instituído uma confusão entre Administração e Justiça.)
É neste contexto que podemos enfatizar que com a Revolução Francesa, surgiu uma nova classe social e uma nova elite dirigente chegou ao poder. Começaram-se a impor novas ideias, a implementar todas as reformas políticas, económicas e sociais ditadas pela razão.
Assim tornou-se indispensável a criação de um aparelho administrativo disciplinado, obediente e eficaz de forma a vencer muitas das resistências suscitadas. Este aparelho traduz-se na obra gigantesca de Napoleão (ano VIII), em que os funcionários da administration centrale são organizados segundo o princípio da hierarquia; o território francês é dividido em cerca de 80 départements chefiados por prefeitos (préfets), de livre nomeação governamental, que formam uma poderosa administration locale de l’État; e os próprios municípios (communes) perdem autonomia administrativa e financeira, sendo dirigidos por um maire nomeado pelo governo e assistido por um conseil municipal, também nomeado, um e outro colocados na estrita dependência do prefeito. As autarquias locais, embora com personalidade jurídica própria ,não passam de instrumentos administrativos do poder central.
Na Sequência da Revolução Francesa os tribunais comuns constituíram focos de resistência à implementação do novo regime, novas ideias, nova ordem económica e social. E como tal, o poder político teve de tomar providências para impedir intromissões do poder judicial no normal funcionamento do poder executivo.
Por isso, em 1790 e 1795, a lei proíbe aos juízes que conheçam de litígios contra autoridades administrativas; e em 1799 (ano VIII) são criados os Tribunais Administrativos ( que não eram verdadeiros tribunais, mas sim órgãos da administração, incumbidos de fiscalizar a legalidade dos actos da administração e de julgar o contencioso dos seus contratos e responsabilidade civil)
Ao longo do século XIX, o Conseil d’État considerou que tendo a Administração de prosseguir o interesse público (necessidades colectivas), este há-de poder sobrepor-se aos interesses particulares que se oponham à realização do interesse geral. Por isso, deviam dispor de especiais poderes de autoridade, que lhes permitisse impor as suas decisões aos particulares, quer de privilégios ou imunidades pessoais.
No entanto, esta sujeição ao interesse público também submete a administração a especiais deveres e restrições que tão-pouco oneram a vida dos particulares.
É neste âmbito que devemos referir que nasce um conjunto de normas jurídicas de direito publico bem diferentes das do direito privado, é o Droit Administratif.
É dentro desta linha de pensamento, que enunciamos que o direito administrativo confere um conjunto de poderes “exorbitantes” à Administração Pública por comparação com os poderes reconhecidos pelo direito civil aos particulares nas suas relações entre si.
De entre esses poderes, é de destacar no sistema Francês, o privilégio da execução prévia (privilège du préalable e privilège de l’exécution d’office), que se traduz no facto das decisões da administração Pública serem unilaterais, e terem força executória própria, e poderem por isso mesmo serem impostas pela coacção aos particulares, sem necessidade de qualquer intervenção prévia do poder judicial.
Contudo, no sistema administrativo Francês, visto ser um Estado de Direito, estão salvaguardadas as garantias jurídicas dos particulares face aos abusos e ilegalidades da Administração Pública.
Mas essas garantias são efectivadas através dos tribunais administrativos, e não por intermédio dos tribunais comuns.
Como os tribunais administrativos não gozam de plena jurisdição face à administração, o tribunal administrativo só pode anular o acto se este for ilegal, não pode declarar consequências dessa anulação, nem proibir a Administração de proceder de determinada maneira, nem condená-la a tomar certa decisão ou a adoptar certo comportamento.
Se os tribunais são independentes perante a Administração, esta também é independente perante aqueles. E por isso são as autoridades administrativas que decidem como e quando hão-de executar as sentenças que hajam anulado actos seus.
Estas características originárias do Sistema Administrativo Francês, também chamado de sistema de administração executiva (autonomia ao poder executivo relativamente aos tribunais), vigora hoje em dia em quase todos os países continentais da Europa Ocidental e em muitos dos novos estados que acederam à independência no século XX depois de terem sido colónias desses países europeus.
Situação Actual e Perspectivas do Contencioso Administrativo Francês
O contencioso administrativo Francês mantêm-se ancorado ao princípio da proibição aos tribunais judiciais de decidir sobre a legalidade das decisões a administrativas.
Em França, o perfil orgânico da ordem jurisdicional administrativa continua a corresponder ao aforismo oitocentista de que “julgar a Administração é ainda administrar”. O Conseil d’État, as cours administratives d’appel e os tribunais administratifs permanecem organicamente ligados ao executivo e não ao poder judiciário.
No entanto, esta solução organizatória não se apresenta como uma mero resquício do passado ,antes sendo assumida como uma concepção “especificamente francesa” da justiça administrativa.
Esta interdependência entre administração activa e administração contenciosa traduz-se pelo simultâneo desempenho pelas estruturas desta ultima (em especial quanto ao Conseil d’État) de atribuições jurisdicionais e de atribuições consultivas da Administração activa.
A estreita proximidade, verificada no sistema Francês ,entre justiça administrativa e administração activa , de nada afectou um estremado respeito dos tribunais administrativos pelo campo próprio de actuação desta ultima.
Pois como referi anteriormente, a Administração dispõe do privilégio da decisão executória.
Sem que se possa considerar , com um mínimo de realismo que a dualidade de ordens jurisdicionais venha a ser posta em causa num futuro conjecturável ,há que reconhecer que o modelo contencioso Administrativo francês firmado em toda a sua imponência em meados do século XX, entrou em crise logo a seguir. (Fase do Baptismo, o sistema francês afastava-se cada vez mais do pecado original, cada vez mais a Justiça Administrativa se autonomiza em relação ao poder administrativo.)
A crise coincidiu com o inicio de uma mudança, sem se confundir com ela, já que a crise não esta nas alterações sobrevindas mas na insuficiência destas para ajustar o sistema às novas exigências decorrentes do aprofundamento do Estado de Direito, da mudança das mentalidades e da crescente procura do serviço da jurisdição administrativa.
Na viragem para o Século XXI, dispomos já de alguma perspectiva para tirar conclusões. A primeira é a de que houve efectivamente uma redistribuição de papeis ao nível das instituições relevantes, envolvendo não apenas órgãos jurisdicionais mas também o grau de intervencionismo do legislador. A segunda conclusão é a de que, reajustadas as posições recíprocas, o Conseil d’État e os restantes tribunais de ordem jurisdicional administrativa levam a cabo neste momento uma “estratégia de relegitimação do juiz administrativo”, a qual , no que concerne ao conselho ,passa curiosamente também, se não em primeiro lugar, pelos aspectos não contenciosos da sua actividade. Uma terceira conclusão vai no sentido de que as alterações sobrevindas independentemente da vontade do Conseil d’État e, alguns casos, vistas até inicialmente com desconfiança por este órgão, acabaram de um modo geral por se revelar factores de um novo dinamismo da jurisprudência administrativa.
A década de noventa do século XX trouxe consigo alterações legislativas que vieram reforçar consideravelmente o grau de tutela jurisdicional, ultrapassando o velho tabu da proibição de injunção à Administração pelo juiz administrativo.
Depois de uma primeira fase de adaptação , não desprovida de dificuldades e incertezas, pode hoje considerar-se que o Conseil d’État e o Conseil Constitutionnel encontraram fórmulas de conjugação do exercício das respectivas competências e que, em parte como causa disso e em parte por força disso, a prática e a teorização jurídicas se desenvolvem agora sobre o universo integrado de princípios e regras do direito constitucional e do direito Administrativo.
Pode hoje concluir-se que a revitalização, em França, do Direito Constitucional graças à sua substanciação, em parte, devida à actuação jurisprudencial do Conseil Constitutionnel, foi um fenómeno evolutivo absorvido de forma positiva pela jurisprudência administrativa. Tendo sofrido novos condicionamentos, esta adquiriu no entanto bases mais sólidas, definidas e diversificadas. No fundo, foi o Direito Administrativo que cresceu, ganhando um novo e importante segmento: O Direito Administrativo Constitucional, ou Direito Constitucional da organização e funcionamento e das situações materiais da Administração Pública. Em consequência disso , há todo um controle de constitucionalidade dos actos administrativos que hoje se desenvolve, designadamente na base de uma parametricidade directa das normas constitucionais sobre o conteúdo de actos discricionários. (Fase do Crisma ou Confirmação - vai ser o Conselho Constitucional a consagrar ao nível da lei fundamental, “que o Contencioso Administrativo é tarefa de verdadeiros tribunais e que os particulares gozam de direitos de acesso ao processo para a defesa das suas posições subjectivas em face da Administração”)
Em face do Tribunal de Justiça e do TEDH, tem o Conseil d’État vindo a encarar um outro desafio que, se traduz em saber se se encontra ou não condenado a ver a sua jurisdição tornar-se, com a passagem do tempo,”provincial e marginal”.
Em suma, após algumas decisões do TEDH, pode dizer-se que o Contencioso Administrativo Francês vê indirectamente ameaçada a sua identidade na figura paradigmática do Conseil d’État.
O futuro dirá se os tribunais e os legisladores franceses vão, como até agora, manter a energia e a criatividade necessárias para defender o direito á existência do seu modelo - hoje minoritário – contra o juridismo abstracto de certa jurisprudência europeia.




  • Trabalho elaborado por :
Cláudia Pires Pincho
nº16093
Turma : Noite
Sub-Turma : 3


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